A receita de pudim de micro-ondas
em um sábado à tarde cheio de fome. A ansiedade do fogo que não acende para que
os sanduíches grelhem. O amor pelo arroz e feijão, o arroz por baixo, o feijão
por cima. O ódio aos legumes e às saladas. A defesa do churrasco, a defesa da
salada. O incrível patê de azeitona em meio ao insosso desfile de salgadinhos
convencionais.
A defesa da Copa, a condenação da
Copa. Política, a distribuição dos poderes no mundo, o sensacionalismo dos
sangrentos jornais vespertinos na tevê. O conservadorismo do sistema escolar. A
maldade que toma conta do centro da cidade. O orelhão solitário e esquecido no
meio da rua. O dinheiro perdido. A casa
solitária entre prédios. A noite barulhenta, que não deixa descansar.
A tarefa cotidiana, a vida
cotidiana, os dias iguais e sempre diferentes, a luta contra si mesmo, a
descoberta de quem se é. As tarefas de português, a obrigação de escrever, as
loucuras do professor querido, a escola, as chatices da escola, as dificuldades
da escola. Os sonhos, as histórias de criança, o medo de injeção, a conquista
do machado. As pombas na rua.
A velha rabugenta.
Os gatos, os pais, as mães, as namoradas dos
pais, os namorados das mães. A amizade.
O pum do amigo. Os desenhos animados de antigamente, como eram melhores. As
brincadeiras com os amigos, os trocadilhos idiotas com amigos, as conversas com
amigos. Como é bom ter amigos.
As mudanças. Mudança de casa,
mudança de escola, mudança de cidade. A janela na frente do prédio, os espaços
vazios da noite, o terreno abandonado. O mendigo na rua, o velho que nos olha,
o prédio em construção, a gente em construção. A família no shopping, as
músicas. Das garotinhas na escola à saída de casa.
No que pensam as crianças?
Sei que poucas vezes vi escritos
tão sinceros e, por isso mesmo, tão legais. Sei que as coisas são como são, que
não me venha pedir, Luana, para dar uma mensagem ou densidade maior ao que
contei, o que contei era isso, desse tamanho, não tem como desenvolver mais. Ou
venha ver, Luana, se essa imagem está boa, dá uma ideia, vê se assim ficou
claro. Por que não posso escrever palavrões, por que não posso escrever textos
curtos, por que sou obrigado a escrever? Não tenho do que falar, não sei, não
quero, quis causar reflexão, quis que rissem, gosto de escrever textos
engraçados. Minha mãe falou que meu texto tem profundidade. Luana, você leu o
texto que eu postei no blog? Ficou legal? Escrevi mais três crônicas ontem,
você leu? Aos poucos fui me soltando, não critica a crônica dele, está super
legal. Não revisei porque fico com preguiça. Eu gostei de escrever crônicas.
Foi legal porque cada um encontrou o seu estilo. Encontrei minha crônica no
banheiro. Na rua. Encontrei minha crônica na escada. Na lembrança.
E como foi legal conhecer e ver
nascer esses novos cronistas modernos, e ler os blogs e dialogar sobre a
escrita, a crônica, a revisão, o uso da crase, o registro do quase nada que é
tudo.
E como é legal, sempre,
acompanhar essas crianças juntando palha, crescendo, aprendendo e suando nos
porquês para, um dia, construírem seus próprios ninhos.
P.S.: Acho que esse é o último
ano em que ainda é possível chamá-los de crianças. Resolvi aproveitar.